SONETO A D. ANGELA DE SOUSA PAREDES
Não vira em minha formosura,
Ouvia falar dela todo dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura:
Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma mulher, que em Anjo se mentia;
De um Sol, que se trajava em criatura:
Matem-me, disse eu, vendo abrasar-me,
Se esta a cousa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me:
Olhos meus, disse então por defender-me,
Se a beleza heis de ver para matar-me,
Antes olhos cegueis, do que eu perde-me.
Gregório de Matos
Este soneto exemplifica a lírica amorosa de Gregório de Matos Guerra que é, fortemente
marcada pelo dualismo amoroso CARNE X ESPÍRITO, que leva, normalmente a um sentimento
de culpa no plano espiritual. A mulher, muitas vezes, é a personificação do próprio pecado, da
perdição espiritual.
Observa-se que, neste poema, a mulher
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identificada inicialmente com a figura de um
anjo o qual remete à pureza angelical contida no próprio nome ÂNGELA e depois com uma
grandeza maior,
–
o SOL
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é vista como um ser superior, dotado de grandezas absolutas e
inacessíveis.
Porém, o que se percebe nos tercetos é que, em vez de proteger
–
papel que caberia ao
anjo,
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a mulher, com sua beleza, leva-o ao desejo e, consequentemente, ao pecado. Por isso,
o eu lírico, em um apelo dramático aos próprios olhos
–
centro de percepção visual e origem
do desejo .
–
pede a eles que se ceguem. Do contrário ele será levado à morte, isto é, à
perdição espiritual. Eis o drama amoroso do Barroco: o apelo sensorial do corpo se contrapõe
ao ideal religioso, gerando sentimento de culpa.
