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Sobre a obra:
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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir
a um novo nível." logo Copyright © 2019 por Thalita Rebouças
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste
livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios
existentes sem autorização por escrito dos editores.
EDIÇÃO
Alessandra J. Gelman Ruiz
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Alice Dias
REVISÃO
Rafaella Lemos, Silvia Rebello e Taís Monteiro
CAPA E PROJETO GRÁFICO
Fernanda Mello & Angelo Allevato Bottino
FOTO DA AUTORA
© Giselle Dias
ADAPTAÇÃO PARA E-BOOK
Hondana CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R242c Rebouças, Thalita
Confissões de uma garota linda, popular e (secretamente) infeliz
[recurso eletrônico]/ Thalita Rebouças. São Paulo: Arqueiro, 2019.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-85-8041-998-6 (recurso eletrônico)
1. Ficção. 2. Literatura infantojuvenil brasileira. 3. Livros eletrônicos.
I. Título. 19-57488 CDD: 808.899282 CDU: 82-93(81) Todos os direitos reservados, no Brasil, por
EDITORA ARQUEIRO LTDA.
Rua Funchal, 538 – conjuntos 52 e 54 – Vila Olímpia
04551-060 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3868-4492 – Fax: (11) 3862-5818
E-mail: [email protected]
Para Elaine, que me fez ver e
aceitar os meus vazios. · Agradecimentos ·
Um muitíssimo obrigada ao meu amigo e gastro mais gato e competente do
mundo, José A. Flores da Cunha, que me ajudou pacientemente a sanar as
minhas pouco mais de mil dúvidas sobre transtornos alimentares. Você foi
incrível, Zé.
Elaine Chagas, a terapeuta da Valentina tem seu nome e não é à toa. Além
de fazer tão bem pra mim como psicóloga, você me ajudou muito falando
sobre adolescentes que sofrem com distúrbios como o da protagonista. Você
é a melhor consultora que eu podia ter. Muito, muito obrigada. Por tudo.
Alessandra Ruiz, minha Alê, a melhor e mais paciente agente do mundo,
não sei o que seria de mim sem você. Obrigada por entender meus medos,
minhas angústias e meu choro desenfreado no decorrer deste livro.
Obrigada por me fazer uma escritora melhor a cada trabalho e por me aturar
sempre com um sorriso no rosto e um emoji de coração no WhatsApp. · Sumário ·
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24 Capítulo 25 NUMA MANHÃ DE céu bem azul e temperatura perfeita, nem muito frio,
nem muito calor, acordei triste. Arrasada. Deprê. Péssima. Logo eu, que na
opinião das pessoas em geral tenho todos os motivos para ser
profundamente feliz, só por ser loira, popular, rica e também ter fama de
linda. Justo eu, que (todo mundo pensa) levo uma vida de sonho, de conto
de fadas. Mas a verdade é que não é raro eu amanhecer assim. E também
não é raro eu ir dormir assim.
Meu café da manhã naquele dia não ajudou em nada a melhorar meu
estado de espírito, que deu mais uma caída quando minha mãe comentou
com minha avó que eu iria fazer um curso. Mais um. Há uns anos, descobri
que uma boa maneira de matar os pensamentos ruins que invadem minha
cabeça é me distraindo, e a melhor distração para mim é fazer cursos, um
jeito bom de conhecer universos diferentes do meu. Só que eu sempre
recebo críticas em casa.
– Mas precisa fazer curso pra aprender a costurar? Vovó te ensina! –
decretou a mãe do meu pai e dona da casa gigante e luxuosa onde moro
com ela e meus progenitores desde sempre. – Aliás, eu já te ensinei quando
você era menorzinha, lembra?
– A Valen está na idade de experimentar, dona Elvira, de testar as
habilidades. Ela quer ser modista, então nada mais justo do que um curso de
corte e costura! – argumentou minha mãe, sempre querendo que eu “amplie
horizontes”, como ela gosta de falar. – Ela quer ser modista, Petúnia? É esse o futuro que a Valentina está
imaginando? – disse minha avó, indignada.
– Não é modista, mãe! É estilista... – corrigi, enquanto desenhava no
meu Moleskine.
Era nele que eu anotava tudo sobre moda e rabiscava vestidos que um
dia eu sonhava fazer.
– Sinceramente? Não vejo a menor necessidade! – Vovó aumentou o
tom de voz: – Essa menina não precisa fazer todo curso que aparece pela
frente!
Lá vem..., pensei. Minha avó sempre adorou implicar comigo, mas,
verdade seja dita, foi com ela mesmo que aprendi a botar linha na agulha, a
pregar botão, a dar ponto... Eu me lembro de sentar no colo dela e achar
uma delícia aquele barulhinho da máquina de costura, e adorava quando ela
sorria feliz por me ensinar uma coisa para a qual eu levava jeito desde
pequenininha.
Infelizmente, da minha infância para cá, eu e ela nos distanciamos,
muito por conta das brigas que ela tem com minha mãe. E comigo, por
tabela. Mas, sério, as duas vivem discutindo. É muito duro todo mundo ter
uma avó fofinha e a minha ser, assim... como é que eu vou dizer? Não
fofinha. Bem não fofinha. É o velho clichê de sogras e noras... Essa briga
rola não só em filmes, livros e séries, mas na vida real também, e ela é bem
real na minha casa. Só crescendo no meio disso pra saber. E mesmo não
sendo nora ou sogra, eu acabei sentindo na pele a rixa das duas mulheres
mais importantes da minha vida.
– Mas isso não tem nada de mais, dona Elvira! – argumentou mamãe,
tentando atenuar a gravidade que vovó estava vendo na situação.
– Ah, tem sim. Uma hora é workshop de street dance, outra é aula de
culinária, depois imersão com fogo xamânico, outro dia vem com
maquiagem de festa, aí inventa desenho de sei lá o quê... essa garota
aprende de tudo, de colar unha gigante a respirar com uma narina de cada
vez. Ah! Pelo amor de Deus! YouTube e Google estão aí para isso, por
favor!
– Nada substitui a presença de um professor, dona Elvira! E Valentina
gosta de ampliar os horizontes!
Olha aí! Não falei que minha mãe amava essa frase? – Mas isso é um desperdício de tempo e de dinheiro. Ela não vai fazer
nada com essa informação toda. Além do mais, ainda tem essa psicóloga, a
que ela vai toda semana, que também ocupa um tempo enorme dela. Vocês
não sabem dizer não para essa menina, Petúnia!
– A senhora é muito mão de vaca, Deus me livre! Deixa a garota
estudar, aprender! É sua neta!
Olha o barraco aí, geeeente!
– Justamente porque eu não sou mão de vaca e quero garantir um
futuro tranquilo pra ela que questiono as vantagens desses mil cursos. Será
que valem mesmo a pena? Ou são uma grande perda de tempo e foco? Será
que trazem respostas ou mais dúvidas à cabeça da garota?
Eu já desisti de intervir nas brigas das duas porque elas nunca param
quando eu peço. As discussões surgem do nada, são intermináveis e as duas
se exaltam bem mais do que deveriam. Resumindo, é o seguinte: a família
do meu pai tem dinheiro, e minha mãe sempre diz que dinheiro não é para
luxo, mas para trazer conhecimento e conforto, e por isso fica tão injuriada
com a mesquinharia da minha avó.
Mas naquela hora eu não aguentei, tive que ser petulante porque, além
de gongar meu curso, minha avó me chamou de garota. E eu odeio quando
me chamam de garota. De menina tudo bem, mas garota não engulo. Sei lá,
eu me sinto agredida, pelo menos com o tom de voz que minha avó
geralmente usa para essa palavra.
– E se eu quiser continuar com minhas dúvidas e perguntas sem
respostas, vó? Você acha que existe resposta pra tudo? – provoquei.
– Olha os modos, Valentina! – brigou mamãe.
– Valentina tem que estudar é na escola, onde, aliás, tem péssimas
notas! Se ela não perdesse tanto tempo com essas coisinhas paralelas, tenho
certeza de que iria melhor no colégio!
Vovó sempre fala umas verdades sem avisar. De repente, quando
ninguém está esperando... Vrá! Vem com uma verdadona e dá na minha
cara. Tudo bem que eu não tenho mesmo as melhores notas, mas precisa
fazer isso?
– O colégio dela é puxado, dona Elvira, mas foi a senhora que insistiu
para matricular minha filha lá desde pequena. – Mamãe partiu em minha
defesa. – Eu nunca quis, mas fui voto vencido, lembra? – Porque não queria neta minha em colégio de filho de artista, em
escola molezinha...
O dia a dia na minha casa é mesmo muito harmonioso, como
facilmente se percebe. “Pobre menina rica”, alguns diriam se ouvissem isso
sem saber o que se passava na minha cabeça. “Que vida horrorosa! Vai
estudar e deixa de pensar besteira”, “Rico, quando não sabe o que fazer,
inventa um problema”. As pessoas pensam assim e acham mesmo que
quem tem grana não pode ter problemas, não pode ficar triste, não pode ter
depressão. Sendo adolescente, então, é sempre um drama, um exagero.
Sendo bonita, como falam sobre mim, é pior ainda.
MODISTA E ESTILISTA
MODISTA, segundo o dicionário on-line que catei, é o profissional
que “desenha e confecciona roupas femininas ou que dirige um ateliê
de costura para senhoras”. Atenção para a palavra senhoras, achei
cômico, minha mãe está oficialmente velha.
ESTILISTA é aquela pessoa que cria estilos, seja no campo da
moda, da confecção de móveis, da literatura, etc., mas nos últimos
tempos o termo é mais utilizado (e conhecido) para a moda mesmo. É
quem que tem o dom de transformar sentimentos em roupas, em
acessórios, em uma coleção, em um conceito. Trabalhar com moda
virou um negócio lucrativo, e só no Brasil ela movimenta centenas de
bilhões de reais por anoooo! É grana pra caramba! Algumas coisas que
eu gostaria de criar como estilista: Eu preciso fazer uma confissão: nunca foi fácil ser eu. Você pode até
pensar, com um quê de impaciência e uma boa dose de deboche (e já digo
logo que entendo super, tá?): “Ah! Ser loira, popular, bonita, rica e invejada
é realmente péssimo! Ter mais de 70 pares de óculos escuros deve ser
terrível. Ouvir a todo momento o quanto você é linda, idem. Ter tudo o que
deseja, a qualquer instante, e ainda ser o crush de dez entre dez garotos é,
com toda certeza, um martírio... Viajar para o exterior duas vezes por ano e
ficar nos melhores hotéis é, sem sombra de dúvida, uma coisa pavorosa. Ómeu-Deus-coi-ta-di-nha!”
Já disse, eu entendo que você pense assim. Mesmo.
Só que minha vida não é o sonho cor-de-rosa que parece ser. Nunca
foi. E eu sei que acreditar nisso deve ser bem complicado para quem me
acompanha nas redes sociais e convive minimamente comigo. Mas eu sei
bem o que eu sinto e o que acontece dentro de mim. E já estou acostumada
com críticas e deboches, porque com o tempo entendi que as pessoas não
têm paciência com quem sofre para dentro e aparentemente “sem motivo”.
Pelo menos... as minhas pessoas. De repente, a discussão sobre meu futuro foi interrompida por um
barulho de abrir e fechar portas e meu pai surgiu em meio a empregados
segurando pacotes e correndo para ajeitar bagagens. Fiquei tão feliz que até
esqueci a briga que estava rolando. Meu pai tinha chegado de uma viagem
depois de vinte dias fora de casa e eu estava roxa de saudades dele. Saí
correndo para abraçá-lo, e ele retribuiu com um aperto gostoso e um grande
sorriso.
– Que bom que você chegou, pai!
– Oi, meu amor! Que saudade!
Depois de me abraçar, ele cumprimentou a vovó e a mamãe com um
beijo na testa, e foi lavar as mãos para se juntar a nós no café da manhã.
– Muito trabalho, João? – quis saber mamãe.
– Sempre. Muito. Mil problemas para resolver, mas boas
perspectivas...
– Agora você vai sossegar um pouco sem viajar, né? Poxa, o ano mal
começou e você não para, tá sempre pra lá e pra cá! – disse minha mãe,
com um tom um tantinho agressivo.
– É... vou mais ou menos... na semana que vem eu...
Minha avó interrompeu, tentando evitar a nuvem pesada de mal-estar
que já se formava no horizonte.
– Você nem parece cansado, filho! Dormiu no avião? Tomou a
melatonina que eu te dei?
– Obrigado, mãe. Dormi feito um anjo.
Nesse momento, Maria, nossa cozinheira maravilhosa, entrou no
recinto e salvou a situação, mudando o assunto da conversa com um
reluzente pudim que colocou no centro da mesa.
– Ah, Maria! Que delícia! Pudim de chocolate! Você nunca falha em
fazer nos dias que eu volto de viagem!
– É, doutor João, o senhor merece! Trabalha tanto! Licença... – falou
ela sorrindo e já saindo para a cozinha.
– Você é o xodó dela, João. Impressionante. Nunca vi mimar tanto
alguém... – comentou minha avó.
– Ah, também quero um pouco, pai, passa para mim? – pedi, animada
com a chegada dele e me permitindo uma colherada do meu doce preferido
do mundo todo. De repente, minha mãe manda, do nada, com ar de repreensão, o
seguinte petardo:
– Ô, Valentina, não tem muito pudim nesse prato aí, não?
Olhei para a fatia mirrada do doce no meu prato e fiquei confusa,
porque, de verdade, era uma quantidade bem pequena.
– Deixa a menina, Petúnia! Vamos comemorar por estarmos juntos
hoje depois de todos esses dias! – reclamou meu pai. – Come, meu amor.
Você é muito nova pra se preocupar tanto com a aparência.
– Mas ela se preocupa! E tem crises e mais crises de choro por
engordar, por não caber mais nas roupas, por se achar acima do peso que
gostaria de ter!
O discurso da minha mãe tocou em uma ferida muito dolorida que eu
tenho. Essa coisa de engordar é um assunto muito difícil e delicado para
mim. Aliás, toda questão de aparência sempre foi um problema enorme na
minha casa, e só eu sei o que acontece e o que eu enfrento desde bem
pequena.
Vou tentar fazer um resuminho dos meus 17 anos de vida neste planeta
azul como meus olhos. Pois é, eles têm um tom bonito, mais escuro,
profundo, e essa cor chama tanto a atenção que acho que ninguém repara
em como eles são caídos e tristes. Tipo os da Lady Di, aquela diva
maravilhosa e mãe do príncipe Harry (sempre amarei Diana por isso), mas
dez vezes mais caídos e tristes que os dela.
Eu fui um bebê lindo e fofo, e os olhos que eu falei eram duas bolas
brilhantes. Na minha opinião, todos os bebês nascem com cara de edredom
amarrotado embolado no chão. Todos! Menos o baby-eu. Eu era um
bebezinho nível realeza inglesa (olha a Lady Di aí de novo!), uma c-o-i-s-a,
com nariz perfeito, dobrinhas fenomenais, covinhas certeiras, sorriso
contagiante e uma bochecha muito carismática, ou seja, a criatura mais
linda, adorável e fofa do mundo dos nenéns. O “fofa” é muito importante na
minha descrição, e você já vai entender por quê.
Ao longo dos anos (e isso não é nada fácil de admitir, que fique claro),
fui ficando mais bonita e menos fofa. Continuava fofa do lado de fora, mas
não tanto do lado de dentro, onde fui me tornando cada dia um pouco mais
amarga, mesmo sem saber o que era isso durante uns anos.
E a verdade é que eu não fui uma garota legal para as pessoas em
geral. Ponto. Desde sempre, todas as meninas só pensavam em ser minhas amigas
porque eu era popular. E toda aquela atenção que eu recebia começou a
encher meu ego de uma maneira muito complicada, e, por mais que eu
quisesse lutar contra aquela sensação de “poder”, de rainha da zorra toda,
mais eu gostava de ser o centro das atenções e de ser paparicada. A palavra
é essa mesma: paparico. Eu sou paparicada desde o berço, e isso pode ser
ótimo, mas uma tortura também. No meu caso... foi uma cilada.
Mas como paparico em excesso pode ser uma cilada? Às vezes,
paparico não é exatamente carinho e afeto, mas um disfarce para outra
coisa. Por vezes, é puro fingimento. A gente sente quando acontece, quando
paparico é interesse ou algo diferente, e isso machuca. E machuca
silenciosamente.
Quando pousei na adolescência (pousei mesmo, já que eu sempre me
senti meio flutuante, um degrau acima de todo mundo, soberbinha, eu e
meus óculos escuros que não permitiam que ninguém visse meus olhos),
geral entrou numas de me achar linda, tipo uma mistura de Marina Ruy
Barbosa com Alice Wegmann, como diziam os mais novos. Uma Charlize
Theron com Monica Bellucci, como diziam os mais velhos. Embora eu não
acreditasse, todos acreditavam.
Não bastasse essa beleza que todo mundo via, as coisas simplesmente
davam certo para mim: colégio (mesmo com notas não tão boas, sempre
passo direto), amigos, esportes, garotos, sonhos que se realizavam sem
muito (ou nenhum) esforço... Na escola, eu era a mais desejada, mas por
dentro... eu me odiava! Ódio é uma palavra fortíssima, eu sei, mas estou
usando com propriedade. Eu me odiava real, tipo querer fugir de mim,
existir em outro corpo, sabe? Tomara que não saiba! Porque é uma agonia
que não desejo nem para o meu pior inimigo. É assustador você se olhar no
espelho e se ver completamente fora do padrão. Eu, que para todo mundo
era perfeita, me via como o retrato da imperfeição, disforme, feia, com cara
de cavalo. Cara de cavalo num corpo desproporcional.
Lembro da sensação de me olhar no espelho aos 14 anos, fixamente,
detalhadamente. Eu me sentia incompreendida, e era evidente que todos
estavam loucos, menos eu. E nunca entendi por que as pessoas me achavam
bonita. Até o Erick me achava bonita. “Você pode me passar o ketchup?”,
pediu ele, que já era o mais lindo e gente boa da escola, durante o lanche na
cantina, cinco anos atrás. E emendou: “Caraca, como você é bonita! Eu sou
o Erick, e você?” “Valentina”, foi só o que consegui dizer. Na verdade, eu queria ter dito: “Como assim você me acha bonita? É míope?”, mas que
bom que eu não falei, e que bom que ele disse em seguida: “Como eu não te
conheci antes?” Pouco depois, estávamos namorando, felizes e
apaixonados.
Mas voltando ao espelho e ao meu senso crítico, eu só me achei bonita
até uns 9 anos de idade. Quando completei 10, já me sentia um orangotango
tamanho GG e não tinha mais o paparico que eu gostaria dos meus pais, que
pareciam ter perdido o interesse em mim na fase em que dei aquela enfeada
básica que a gente dá quando está crescendo. Resumindo, eu era um mico,
em todos os sentidos. To-dos. Elefanta da canela fina, peito de pombo,
pança molenga, cabelo errado, rosto de quem acabou de acordar, boca boba,
nariz de sanfona, mãos estofadinhas e braços muito mais longos do que
deveriam ser.
E era assim que eu me enxergava no espelho e me odiava. Mas eu não
era a única a me odiar. Muita gente me odiava e muita gente me odeia, e
quer saber? Eu fiz por onde.
Parece mentira e cena de filme clichê, mas a mais bonita da escola
sempre se sentiu a mais feia do mundo por fora e mais ainda por dentro. A
mais bonita da escola se acha um equívoco, um arroto de urubu. E quanto
mais os anos passam, mais “defeitos” eu percebo no meu reflexo e nas
minhas escolhas, porque parece que eu faço tudo errado.
Por tudo isso, e com a “incrível” ajuda da minha mãe, acabei ficando
obcecada e toda preocupada com a aparência, com ser sempre magra, linda
e elegante e tal, para tentar alcançar um padrão pelo menos aceitável. Eu
luto o tempo todo para me encaixar nesse padrão e nunca acho que estou
bem o suficiente, que sou adequada o suficiente. Minha mãe é linda, magra,
elegante, adora fazer de tudo para ficar maravilhosa, e faz mesmo: todos os
tratamentos, todos os cosméticos, todos os exercícios, todas as comidas fit e
saudáveis. Ela é assim. Sempre foi.
Mas eu, não.
Eu tenho facilidade pra ganhar peso, odeio academia e conseguiria
comer fritura todos os dias da minha vida. Para mim é uma luta. Eu nunca
vou ser como ela, em nenhum sentido. Minha mãe nem...
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- Summer '16
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- São Paulo, Amor, Valentina, DESENHO, CONHECIMENTO, Roupa