ainda lhe faltava para partir?Estes e outros pensamentos embalavam o espírito dairmã Miquelina, toda engomada no seu hábito preto até aostornozelos. Do baptismo passara-se ao crisma e o Rochadistinguiu a aproximar-se do altar num grupo de miúdas aNancy, de rosto irresoluto e uma magnífica figura. Estacionaranuma das pontas voltada para o altar. Trajava um vestidovermelho em matizes brancos e as mãos permaneciam cruzadassobre o peito. O Rocha alterou a respiração e deu umacotovelada ao Toninho atento à pauta da música. Era realmentebela. Mesmo assim, o Toninho preferia a Sónia. Ia mais como seu tipo. «Espera, que aconteceu?», perguntou-se o Rocha.A Nancy saía desenfiada da capela pela porta lateral. Entãonão receberia o crisma? Aquilo era tudo muito estranho.As cerimónias findaram e, ao saírem, houve um suspirode alívio. O bispo tinha um discurso indolente e pusera-se nahomilia a desfiar longas considerações acerca dos deveres deuma boa rapariga, de uma boa irmã, de uma boa esposa. «Quesaberia ele do mundo?», perguntava-se o Rocha. «Já alguma
47vez snifara? Existiam ali miúdas que experimentaram do bome do péssimo. Vinha agora o sr. bispo com lições de moralidade!Que as dê às freiras, que precisam mais da sua santaconsolação, coitadinhas, tão sozinhas...»Corriam crianças no jardim, as miúdas subiam e desciamas escadas, os pais trocavam impressões entre si ou com asirmãs sempre solícitas, a casa era uma balbúrdia. Começariadentro em pouco o convívio com teatro, música e lanche, epedia-se aos convidados para se dirigirem ao campo de futebol.Era um campo de futebol de cinco, em cimento, onde nas horasde recreio as meninas praticavam brutobol, um jogo, naspalavras da Cláudia, essencialmente de canelas e gritinhos dedor. O bispo e o seu séquito também para lá foram depois dese desparamentarem. Os espectadores dispunham-se à voltado campo sem traves e as meninas caracterizavam-se comexcitação para os diversos números numa sala de aulas aliperto. As canções populares seriam o último número. Os doiscompanheiros discorriam futilidades com a Cláudia e a Sónia.Havia que ter cuidado nas conversas, não levantar suspeitasinfundadas, os padres e as freiras não lhes tiravam a vista decima.O espectáculo começou com uma peça lenta e monótonasobre a vida da fundadora da congregação. As miúdas tinhamsido mal ensaiadas e esqueciam frequentemente o papel. Nemo pontoremediava as situações embaraçosas. O texto era deuma vulgaridade atroz, cheio de exclamações e arrebatamentospiegas. O bispo bocejava e o padre Roriz dormia de olhosabertos. Por pouco não caía sobre a madre superiora mesmoali a seu lado. Nesse comenos, o Rocha largou o Toninho e asduas amigas e dirigiu-se à Nancy, vestida agora de ilusionista,à espera da sua vez na entrada da sala de aulas. O Rocha tinhade lhe falar, vê-la de perto, saber o que se passava, se é que