Uma hora e meia mais tarde, o sr. Entwhistle espreguiçava-se confortavelmente em sua cadeira e suspirava
de satisfação.
– Você certamente sabe passar bem, Poirot. Como todo bom francês.
– Eu sou belga. Mas o resto da sua observação se aplica. Na minha idade, o principal prazer, quase o único
que ainda resta, é o da mesa. Graças a Deus, tenho um excelente estômago.
– Ah – murmurou o sr. Entwhistle.
Eles haviam jantado um linguado
veronique
, seguido por uma vitela
milanaise
e, de sobremesa, uma
poire
flambé
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com sorvete. Beberam um Pouilly Fuissé seguido de um Corton, e um Porto excelente repousava
agora ao lado do sr. Entwhistle. Poirot, que não era um apreciador de Porto, bebericava licor de chocolate.
– Não sei – murmurou o sr. Entwhistle, lembrando-se do jantar – como você conseguiu um escalope des-
ses! Derrete na boca!
– Tenho um amigo que é um açougueiro de primeira. Resolvi para ele um pequeno problema doméstico.
Ele ficou grato e, desde então, tem-me sido muito indulgente nas questões do estômago.
– Um problema doméstico – suspirou o sr. Entwhistle. – Gostaria que você não tivesse mencionado isso...
Este momento é tão perfeito...
– Prolongue-o, meu amigo. Logo teremos café, um ótimo conhaque e, então, enquanto a digestão segue
pacificamente seu curso, você me dirá por que precisa do meu conselho.
O relógio bateu as nove e meia antes que o sr. Entwhistle se movesse em sua cadeira. O momento psico-
lógico havia chegado. Ele não se sentia mais relutante em expressar suas dúvidas – estava ansioso para fazê-lo.
– Não sei – disse ele – se estou fazendo o papel do mais perfeito idiota. Em todo caso, não vejo como
poderia evitá-lo. Mas gostaria de expor-lhe os fatos e quero saber sua opinião.
Ele pausou por alguns momentos e, então, de sua maneira seca e meticulosa, contou sua história. Seu cé-
rebro treinado em assuntos legais permitiu que expusesse os fatos com clareza, sem deixar nada de fora ou
acrescentar elementos dispensáveis. Foi um relato claro, sucinto e, como tal, apreciado pelo homenzinho idoso
com cabeça em forma de ovo que o escutava, sentado à sua frente.
Quando ele terminou, houve uma pausa. O sr. Entwhistle estava preparado para responder perguntas, mas,
por alguns momentos, nenhuma veio. Hercule Poirot estava analisando os fatos.
Ele disse por fim:
– A questão parece muito clara. Você suspeita que seu amigo, Richard Abernethie, possa ter sido assassi-
nado, não é? Essa suspeita, ou suposição, baseia-se em uma coisa somente:
as palavras ditas por Cora Lans-
quenet no funeral de Richard Abernethie
. Retire-as, e não sobra nada. O fato de ela mesma ter sido assassinada
no dia seguinte pode ser a mais pura coincidência. É verdade que Richard Abernethie morreu subitamente, mas
ele foi atendido por um médico bem conceituado, que o conhecia bem. Esse médico não tinha suspeitas e deu
o atestado de óbito. Richard foi enterrado ou cremado?
